Iniciei recentemente uma campanha no facebook com o intuito de reunir o maior número de tipófilos possível, para ter uma noção de quantas pessoas, afinal, são apaixonadas pelas letras e tudo o que tenha a ver com elas. Assim sendo, fica aqui o convite a fazer um "like" na página do facebook typophilia, e poderão também juntar-se ao grupo. Façam posts, mandem fotos, vídeos, e tudo o que possa fazer sentido. O importante é que tenha letras.
28.11.10
7.11.10
A complexidade do simples
Recordo com alguma nostalgia um “terrível” professor de matemática que tive no 11º ano. Ele costumava afirmar com convicção que “uma das coisas mais difíceis de fazer é simplificar”. Deu-me mesmo que pensar. Naquele contexto em que ele falava, referia-se a um termo que ele detestava e que os alunos utilizam com frequência: “cortar”. Em matemática, quando se multiplica por uma determinada quantidade e simultaneamente se divide, “cortam-se” as quantidades, transformando uma fracção num número inteiro, por exemplo. Trata-se de retirar os elementos que não interessam e chegar a um valor canónico, ou seja, que não se pode reduzir mais.
Apesar da expressiva aversão dos designers e dos profissionais e alunos das belas-artes à matemática, na verdade são muitas vezes executados muitos princípios matemáticos, ou são postos em prática muitos fundamentos dessa natureza. No período do Renascimento, estava frequentemente e até obsessivamente presente, a série de Fibonacci (1,1,2,3,5,8,13,21,34,55,89,...) na qual cada número é a soma dos dois números imediatamente anteriores na própria série. Esta razão matemática existe aplicada pela própria Natureza, e um dos exemplos mais conhecidos é a concha do Nautilus, que se desenvolve numa espiral perfeita, aumentando de raio segundo a proporção representada por esta série. No campo das artes, esta série torna-se um pouco menos abstracta para se representar graficamente através do conhecido rectângulo de ouro, conseguido através de um quadrado base. Este rectângulo apresenta, segundo vários estudos, as proporções “perfeitas”, tornando-se “mais agradáveis à vista”. Este conceito de proporção foi aplicado no Renascimento a todas as formas de arte, e o Uomo di Vitrúvio de Leonardo da Vinci ilustra isto de forma flagrante. Estas concepções foram transportadas também para a tipografia e composição editorial. Ainda hoje, formatos 13x21cm (elementos que são parte da série de Fibonacci) ou muito próximos são encontrados nos livros e outras publicações, e as proporções de mancha tipográfica na composição do layout seguem também estas premissas. A concepção rival, mas que é em tudo semelhante é a proporção “raíz de 2”, base para os formatos standardizados ISO A (na qual encontramos os formatos A4, A3, etc.), adoptados na indústria do papel, que se relacionam matematicamente, na medida em que a largura do elemento consecutivo corresponde ao comprimento do anterior.
Jan Tschichold é um bom exemplo de alguém racionalista, que conduziu o seu trabalho sob rígidas talas geométricas até que, algures no seu percuso, deu-se conta da presença destas relações na tipografia clássica e, mais do que abandonar as suas convicções, simplesmente redescobriu a sua posição racionalista geométrica numa expressão clássica, contudo menos industrial e mais humanizada. A sua obsessão pelo typeface Univers, viria a dar lugar a humanizada Gill Sans para culminar na Sabon, de desenho do próprio, enaltecendo os valores clássicos que aprendeu a respeitar e admirar. O seu trabalho notável na Penguin Books baseou-se em trabalhos de Van de Graaf e outros, que utilizava relações geométricas baseadas na razão de ouro para distibuir os elementos num layout em paginações, e estabelecer as proporções de mancha tipográfica em função do formato. Desta forma, e chegando a repudiar as suas próprias ideias publicadas na obra Die Neue Typographie, chegou à conclusão de que : “Though largely forgotten today, methods and rules upon which it is impossible to improve have been developed for centuries. To produce perfect books these rules have to be brought to life and applied. (...)”, ou seja, os métodos e regras antigas, hoje muitas vezes esquecidas, desenvolvidos ao longo dos séculos, são na realidade impossíveis de melhorar e, para produzir livros “perfeitos” essas regras devem ressurgir e ser aplicadas.
No decorrer dos tempos, o Homem tem feito esforços por descobrir e justificar as relações entre fenómenos, formas e elementos, e que se expressam através das mais variadas formas e linguagens, sejam elas científicas, artísticas ou outras, tendo como base comum a razão.
No design esta procura também acontece, embora de uma forma camuflada, intuitiva, e muitas vezes até ingénua. As centenas de posições em que um designer posiciona os elementos de um cartaz buscam nada mais que o equilíbrio, proporção, eficácia. Não é nada fácil, especialmente para quem não é designer, detectar as subtilezas que fazem com que tudo funcione. Apenas se constata e se “tem a sensação que está bem”, mas não se consegue descrever o porquê de tudo aparentemente “bater certo”, quando o design é bem conseguido. Apesar de não existir uma fórmula resolvente para executar os projectos em design, existe porém uma plataforma comum que permite facilitar as tarefas: a estrutura. Não falo apenas de guides que se podem puxar facilmente das réguas gráficas de um software de desktop publishing, mas na construção de uma grelha que estabeleça relações entre os possíveis elementos. Uma grelha define alinhamentos, possibilidades de seccionamento de informação e formatação textual, e concede lugares a todos os tipos de elementos, gráficos e imagéticos. A melhor parte é que uma única grelha permite uma infindade de resultados, com a mesma base, e poupa horas extraordinárias de tentativas frustradas. Quando bem concebida e aplicada, exprime-se através dos próprios elementos, quando ela “desaparece”, e não é porque se fala de estrutura e grelha, que os elementos têm necessariamente de ser geometricamente rigorosos ou até feitos a computador. Até porque muitos dos typefaces mais recentes, por exemplo, tentam repescar tradições caligráficas procurando mimetizar a expressão imperfeita manual. É também permitida a utilização de uma grelha geométrica rigorosa “à mão levantada”, como já se constatou em capas de grandes publicações, simulando uma página de diário gráfico, dando um cariz de sketch humano ingénuo a uma publicação impressa com rigor tecnológico. Trata-se, no fundo, de dar uma linha condutora e estuturante ao projecto, dando-lhe um suporte, mais que uma restrição, e ajuda a combater os sintomas do síndrome da “página em branco”.
Outra expressão flagrante desta ideia de simplificação é a concepção de um ícone. Esta forma pictográfica é despojada de artifícios considerados irrelevantes para a percepção e posterior apreensão e compreensão das formas que se pretende representar, reduzindo as formas mais salientes de um objecto à sua forma de expressão canónica, impossível de “simplificar” mais. O exercício de estilização, ou filtragem de ornamento é um processo complexo, que à medida que avança, se torna cada vez mais difícil, pois o número de elementos vai reduzindo cada vez mais, a um ponto em que quando se retirar um deles, fará falta para a apreensão do todo. Pomos aqui em evidência as leis da Gestalt, que sempre me pareceram controversas.
Regressando um pouco ao imaginário matemático, é fácil conceber uma imagem mental de uma expressão cheia de integrais, somatórios, derivadas e números complexos, que mais parecem grego, que no final e de forma surpreendente e muitas vezes incompreendida, e a seguir ao símbolo de igual (=), aparece um resultado “simples” e óbvio. O problema foi como se chegou lá. E é aqui que o discurso do designer tem de parecer objectivo, coerente e justificado, quando tenta explicar como chegou ao resultado final. Uma das coisas mais difíceis para um designer de comunicação é apresentar um logótipo. Uma forma simples, de duas ou três cores, um ou dois typefaces, no fundo branco da folha de papel. Um cocktail, ou batido, que muitos clientes têm dificuldade em saborear, e compreender os porquês. Um logótipo, e todos os suportes de identidade daí inerentes, são resultado de um complexo processo de conjugação de toda uma míriade de elementos, que são muitas vezes inimagináveis para o cliente. São muitos critérios a considerar, e é preciso chegar a um resultado satisfatório que consiga transparecer as premissas essenciais da identidade da entidade representada. Para isso, é necessária a destilação de um conceito forte, que consiga por sua vez exprimir a ideia mais representativa que se pretende transmitir. Porque é impossível dizer tudo. A ideia de “less is more”, compatível com o “quanto mais se quer dizer, menos se diz” explica um pouco isso.
Como representar uma entidade, os seus produtos e serviços, a sua filosofia de trabalho, o seu mercado e público-alvo, através de cores, formas e letras? É aí que está a dificuldade do trabalho de um designer. O designer é um tradutor, um químico, um artista e um orador. Daí que seja muito importante a cultura visual e sociológica do contexto em que tem de se inserir. Sim, porque idealmente o designer tem de possuir a capacidade de se abstrair dos seus gostos, convicções e ideais, para encarnar as personalidades simultaneamente do cliente e do seu público-alvo, para que possa criar para ele(s). Na realidade e na prática, o que acontece é que o designer hoje em dia é procurado pelo seu portfólio, pela sua linguagem ou reputação. O cliente que o procura identifica-se com o tipo de trabalho que o designer já fez ou para quem trabalhou, e pretende ser “tratado” da mesma forma, o que permite uma inflação ridícula dos preços desses serviços, alimentando os “golias” do design, que podem até nem fazer um bom trabalho, mas é pago como tal e graças à sua reputação e visibilidade, se tornam “inquestionáveis”.
O simples é o mais complexo que pode existir. Segundo o dicionário Universal, complexo “encerra várias coisas e ideias” e não deve ser confudido com complicado. Olhando para um “simples” círculo, o nosso imaginário e biblioteca mental faz um search nas suas bases de dados e pode atribuir muitos valores possíveis. Um círculo pode significar ou sugerir uma roda, um prato, uma base de copo, um cd, um sombrero. Talvez adicionando uma ou duas circunferências concêntricas, de raio variável, ajude a restringir as hipóteses, mas continuam a ser muitas. À medida que vão sendo adicionados mais elementos, as possibilidades vão reduzindo de abrangência e ambiguidade. Outras variáveis, ou mudanças de linguagem gráfica, como espessura de linha, cor, volumetria, etc., voltam a multiplicar as possibilidades, e a criar um enredo maior. E não se considerou que o universo visual de várias culturas introduz diferenças perceptivas: um mexicano provavelmente irá ver um sombrero mais facilmente que nós portugueses.
Depois de fazer este percurso divagante, simplificar torna-se o percurso inverso. Quando alguém ao volante de um automóvel se dirige a uma localidade desconhecida, sem um gps, para levar alguém a casa que, sentado ao seu lado lhe dá indicações e essa pessoa fica em casa, encontrar o caminho de volta torna-se um desafio. Outro exemplo é a meio de uma conversa ou até no final, tentar recordar a linha de raciocínios discutidos até então. É raro e muito difícil apanhar o fio à meada. Posto isto, agora é possível entender o quão difícil é o caminho de um designer. O que é aparentemente simples é na realidade um rastilho de ideias que leva a uma explosão mental na cabeça de quem o contempla, desafiando quem se deixa cativar. É muito comum um designer ser surpreendido com outras perspectivas e sugestões de “quem está de fora” acerca dos logótipos que concebe, razão pela qual muitas vezes recomeça, porque o caminho o levou a resultados indesejados e prejudiciais ao conceito inicial. É bom “afastar-se” do trabalho e olhar para ele de novo mais tarde, com a cabeça mais fresca, e a auto-crítica menos tendenciosa. De científico, apenas a colocação da hipótese, a tentativa e erro, porque fórmulas e verdades absolutas não as há. Existem apenas possibilidades, umas mais eficazes do que outras, ou “funcionais”, adjectivo bastante comum entre designers.
A grande luta é, e continua a ser tentar fazer ver os clientes que aquele logótipo tão “simples”, pode ser executado em poucos minutos, mas por vezes demora anos a saber como fazê-los, e semanas para chegar a esse resultado. Todos os resultados são óbvios, quando se sabe a sua resolução. E agora, ainda acha o simples, simples?
5.11.10
2º aniversário
No passado dia 29 de Outubro, o blog typographia comemorou o seu segundo aniversário. Lamento que a sua actualização não tenha sido efectuada durante muito tempo, mas nem sempre é fácil a dedicação a actividades paralelas ou complementares, quando o trabalho, compromissos e preocupações nos imergem, retirando-nos até o tempo a dedicar às coisas que mais gostamos de fazer. Estou neste momento a pensar em reatar as ideias, e escrever um pouco mais. Um muito obrigado por todas visitas, ainda que muitas sejam acidentais, e pelas referências noutros blogs e sites.
Enquanto um novo artigo não é publicado, poderão sempre ter acesso a pequenas novidades e referências no meu twitter. Continuem a ler e a fazer comentários, porque isso é sempre motivador.
16.11.09
design editorial (p1)
São inúmeras as formas de trabalhar com a tipografia, mas a mais íntima e aquela que mais põe em prática os fundamentos da tipografia, é o design editorial. Esta vertente do design é a que exige mais método, estrutura, coerência e mesmo estratégia comunicacional. Trata-se de uma área que é o centro de convergência de produtos oriundos das mais variadas disciplinas profissionais e artísticas, e que deve materilizar, de forma coerente, organizada e apelativa, uma publicação que veicula conteúdos escritos das mais variadas naturezas. Neste tipo de trabalho, a mensagem verbal escrita é o elemento mais importante, e todos os outros elementos devem ser utilizados como seu reforço e/ou complemento. Assim, se a mensagem verbal escrita é o elemento mais importante e a tipografia é a expressão gráfica dessa mesma linguagem, então a tipografia torna-se a disciplina estruturante de uma publicação, e o domínio das suas propriedades e potencialidades torna-se essencial. Não digo com isto, no entanto, que não existam publicações que possam oscilar a nível de conteúdos, tendendo para uma maioria de conteúdos escritos, no caso de uma revista literária, ou fotografia, numa revista da especialidade, mas estes serão extremos opostos. É natural que nesta linha de pensamento, em que se valoriza o texto, que um designer pense imediatamente em typefaces e typeface design, mas porque não é o typeface design a forma mais íntima de trabalhar com tipografia? É importante frisar que entendo a tipografia como a forma de trabalhar o espaço visual da linguagem verbal, incluindo não só as formas das letras, mas as contra-formas, e o espaço em branco ou não-verbal. O typeface design é uma vertente mais específica da tipografia, que desenha expressões de texto através das formas das letras e do seu fenótipo de conjunto, mas a tipografia desenha expressões de discurso. Trata-se de desenhar um corpo e com esse corpo desenhar movimentos, que terá o seu equivalente auditivo: se considerarmos a família tipográfica e os seus glifos [letras e símbolos que constituem um alfabeto, incluindo a pontuação e todas as versões gráficas de uma mesma letra] como um conjunto de notas musicais, a partitura (texto) que lhes dá sentido poderá ser interpretada com diferentes tempos, por vários instrumentos, cada músico tocando com a sua forma de tocar e interpretar o tema, atribuindo-lhes sonoridades e características completamente diferentes.
A tipografia, enquanto gestão do texto, do espaço e do suporte, deverá tirar partido dos atributos das famílias tipográficas, e utilizá-las com adequação e critérios de leitura. Será pertinente invocar a premissa de lecturabilidade versus legibilidade. Poderemos utilizar o supostamente melhor typeface em termos de legibilidade e estética para um trabalho, mas um tratamento tipográfico desadequado poderá destronar as propriedades positivas que pretendemos aproveitar de um bom typeface, prejudicando a sua lecturabilidade, ou seja, o seu comportamento enquanto texto em termos de atractividade inerente para ser lido de forma agradável, motivado por más opções de formatação, composição e layout. Será o equivalente a termos uma pessoa que julgamos ser bonita, atraente, mas que em diálogo se revela ter dificuldades em pronunciar ou articular as palavras, mesmo que seja interessante o que tem para dizer, repelindo quem o tenta ouvir e entender. Por outro lado, ter uma publicação bem concebida, mas possuindo conteúdos mal escritos e desarticulados, pode ser comparado uma pessoa que fala muito bem, tem uma voz agradável e uma apresentação muito atraente, mas um discurso completamente desinteressante, incoerente e sem assunto, que mais uma vez repele a tenta ouvir ou com ele dialogar. Concluimos então que assumindo uma publicação como uma transmissão do discurso de quem escreve, se for apenas bonita e não tiver um bom conteúdo informativo ou cultural, não cumpre o seu objectivo, uma vez que, apesar de apelativa, fará o leitor sentir-se enganado por não retirar nenhum conhecimento ou usufruto intelectual. É importante por isso dizer que se não existir um conteúdo bem estruturado e interessante, não é o design que irá salvar a publicação, tal como acontece com outras áreas, em que muitas vezes se utiliza o design como cosmética para as falhas que não se podem encontrar.
Mas afinal, o que é design editorial? Na minha perspectiva, trata-se de uma forma de design que trabalha para a informação e para a literacia, e como tal, tem como objectivo a melhor canalização possível de conteúdos jornalísticos, culturais e literários, melhorando a eficácia comunicacional.
No seu livro Design Editorial, Yolanda Zappaterra expressa a ideia de que o design editorial é, na prática, uma forma de “jornalismo visual”. Depreendi, na sua perspectiva, que Zappaterra não inclui o book design no design editorial, pelo menos de uma forma visível, falando apenas de revista, jornal ou outros periódicos. A diferença reside, portanto, na questão de periodicidade, renovação regular de conteúdos segundo uma matriz editorial, reinventando-se a cada número, embora circunscrita à sua identidade e contexto de actuação. A distinção poderá ser mais técnica, na medida em que, regra geral, o book design apenas utiliza texto para compôr as entranhas do miolo, sendo a sua componente mais visual e atractiva a capa, que contém todos os ingredientes de um cartaz publicitário da obra que envolve.
Se imaginarmos, sem os condicionalismos da obsolescência, factualidade ou estrutura hierárquica jornalística, que cada “obra” tem uma “capa” para atrair o leitor, então um jornal será um “livro de livros”, em que cada livro será um artigo, que compete “na estante” por atenção.
A história da escrita e dos seus suportes levam a crer que o livro terá sido o antecessor de qualquer suporte escrito impresso segundo os meios desenvolvidos por Gutenberg, e que as publicações terão sido ramificadas a partir daí, sob o condicionalismo do objectivo e da natureza da publicação. O livro, enquanto suporte comunicacional, que pode incluir imagem, seja ela ilustração ou fotografia para além de texto, diferencia-se pelo cariz de exclusividade da obra, ainda que esta possa ter sequela ou pertencer a uma série, mas que à partida não seja datada por imposição ou obsolescência dos conteúdos, regras pelas quais se regem as publicações jornalísticas, culturais ou desportivas.
Vale a pena recordar que os objectivos de Aldo Manuzio deram o real sentido ao termo publicação quando, com a colaboração de Francesco Griffo, criou um novo formato de livro : o livro de bolso. Este livro, mais pequeno e de produção mais barata e rápida, utilizando os caracteres do alfabeto itálico (mais condensados que o romano) concebido por Griffo, destinava-se à expansão do conhecimento, mais acessível ao público em geral, e não apenas os privilegiados do clero e nobreza. Assim sendo, encaro o design editorial como um veículo de transmissão de conhecimento e cujo conteúdo estimula o pensamento e a imaginação, elevando o patamar de abstracção. O design editorial é aquele que, quando bem sucedido, motiva a leitura e o interesse, diminui o atrito entre o leitor e o conteúdo da publicação, através de mecanismos visuais que estimulam o receptor da informação escrita (...).
29.10.09
1ºaniversário
Hoje o blog typographia comemora o seu primeiro aniversário. É facto que alguns conteúdos datam de 2005, mas só foram publicados após esta data. Quero aqui expressar a minha gratidão a todos os que tiveram a paciência de ler os minhas reflexões, que se deram ao trabalho de comentar, e que referenciaram os conteúdos, dando-lhes valor. Novos conteúdos e novas temáticas estão ser pensadas e escritas, e serão publicados em breve. As actualizações não têm sido muito frequentes, porque (felizmente) o trabalho não tem deixado espaço para a escrita. Contudo, poderão sempre ter acesso a pequenas novidades e referências no meu twitter. Mais uma vez, obrigado a todos, e continuem a ler e a fazer comentários, para ajudar o typographia a crescer.
24.8.09
doenças tipográficas
Já foi há 5 anos atrás que li a obra de Ellen Lupton "Thinking with type", e me deparei com uma espécie de DSM que explicava os sintomas que levavam ao diagnóstico de doenças tipográficas. Uma divertida análise de comportamentos que se são originados pela exposição e convivência com a tipografia. Recordando e fazendo alguns apontamentos empíricos de novos sintomas, vamos recordar estes distúrbios da saúde gráfica:
Tipofilia : Esta perturbação é caracterizada por uma fixação e fascínio excessivos pela forma das letras, que se manifesta pela exclusão de outros interesses de carácter objectual ou conceptual. A história da tipografia mostrou que pacientes que padecem deste mal acabam por falecer na maior pobreza e solidão. Outros sintomas conhecidos incluem a ICT (Identificação Compulsiva de Typefaces), havendo uma identificação compulsiva dos typefaces em todos os suportes com que o paciente se depara, levando a uma procura incessante caso não o consiga fazer.
Tipocondria : É caracterizada por uma crença e ansiedade persistentes de que foi seleccionado o typeface errado para um trabalho corrente. Este comportamento traz um comportamento paralelo de PKO (Perturbação de Kerning Óptico), que consiste no acerto compulsivo dos espaços entre as letras, como consequência da percepção distorcida no espacejamento dos caracteres.
Tipotermia, também conhecida como Politipogamia : O paciente que sofre desta perturbação é incapaz de assumir um compromisso com um único typeface, ou até 5 ou 6, como alguns médicos aconselham. Consiste no insistente uso de novos typefaces, muitas vezes sem licença adequada. Para mais, utiliza-os sem critérios e de forma excessiva, forçando e inventando motivos para o usar, sem contexto que o justifique.
Tipofobia : Trata-se do pólo oposto do uso da tipografia. Os tipofóbicos tendem a evitar o uso de letras de forma legível, utilizando dingbats, ícones ou pictogramas, como aversão à linguagem verbal. Em casos graves, são usadas bullets (balas) ou daggers (punhais). Para minorar e tentar controlar os medos e ansiedades (mas não curar), é aconselhada a posologia de pequenas doses de Times New Roman e Helvetica. Mais recentemente foi descoberto que o uso de Bembo e Univers poderão mostrar-se mais eficazes em casos dramáticos.
Tipoolismo : Estudos recentes demonstram que a tipografia poderá ser utilizada como tipefaciente, alienando os seus consumidores da matéria imagética no design gráfico. Esta perturbação induzida por intoxicação com caracteres tipográficos poderá levar a uma percepção distorcida de glifos, constatando serifas onde não existem, ou ligaduras entre letras. Em casos graves, o tipoólico utiliza typefaces fantasia pensando serem sans-serif, ou script como serif. O consumo de tipefacientes provoca dependência e em casos graves o paciente atribui todas as formas imagéticas à génese tipográfica, construindo as imagens com base nas formas das letras. O tratamento passa pelo uso de ícones e imagens em alto contraste a preto para recuperar a percepção formal, e utilizar tipos sans-serif.
Ainda no meu bom discernimento, posso afirmar e reconhecer com alguma franqueza que sofro destas doenças à excepção da tipofobia, mas que para já ainda não a um nível que precise da ajuda profissional. Um primeiro passo é reconhecer a doença. Esperemos que possa recuperar brevemente (ou não ;))
Para este artigo contei com a obra de Ellen Lupton "thinking with type" de onde surgiu a ideia original "Typographic Diseases" e um outro artigo do blog "I Love Typography" sobre "Typoholism"
10.8.09
veneza perdida
Qualquer bom livro sobre tipografia, paginação e impressão de livros, falará inevitavelmente sobre o período do Renascimento, e dos seus berços, mais concretamente Florença e Veneza, entre os séculos XV e XVI. Este espaço temporal é considerado indiscutivelmente como o período áureo da tipografia, em que soam nomes como Nicolas Jenson, Aldo Manuzio (também conhecido como Aldus Manutius) ou Francesco Griffo. Nomes que contribuíram para a história da impressão, paginação, layout e typeface design, embora ainda não se conhecendo ou definindo os termos, com o objectivo de contribuir para a proliferação do conhecimento para além das obras eclesiásticas. Estes nomes são responsáveis por muitas das noções que hoje temos e aos quais forma atribuídas designações que no campo tipográfico são tidas como base.
Jenson, que alguns historiadores colocam a hipótese ter sido discípulo de Gutenberg, era um francês que por ordem de sua majestade Charles VII se deslocou a Mainz, Germânia (Alemanha)alegadamente para aprender a arte da impressão com caracteres móveis, que Gutenberg desenvolveu. Já em Veneza, perto de 1467, Jenson desenvolveu caracteres tipográficos com um desenho único e inovador, baseado na escrita caligráfica adoptada já com influência das minúsculas carolíngias,utilizadas na documentação do imperador, com um carácter que foge do cursivo, e às quais é atribuída a génese do alfabeto em minúsculas, como hoje o conhecemos. Este design, que se distanciava claramente da influência gótica germânica, seria chamado de estilo veneziano, que possui características que, embora de personalidade caligráfica, se começam a afirmar como independentes da escrita manual. Em 1928, Bruce Rogers desenhou, para a Monotype, aquele que seria o typeface que ressuscitava este espírito, a Centaur, que ainda hoje é utilizada, devido ao seu requinte e propriedades de legibilidade. A Legacy, de Ronald Arnholm, também teve a sua inspiração nas obras impressas por Jenson.
Mais tarde, uma pequena obra de um pensador e erudito Pietro Bembo seria um pretexto para um novo desenho de um typeface romano, que Aldo Manuzio encomendou a Francesco Griffo, que como Gutenberg e outros contemporâneos, era ourives e utilizou a sua técnica para esculpir novos tipos. Por homenagem a esta importante personagem da literatura italiana, viria a chamar-se Bembo, e mais tarde dar origem à classificação de tipo Aldino. Com a sua perna alongada do "R", este typeface é utilizado ainda com frequência, graças à adaptação da Monotype, por intermédio e supervisão de Stanley Morison, em 1929, após contemplar a obra "De Aetna" de Pietro Bembo, impressa por Manuzio em 1495. É relevante dizer que o original não possui itálicos e que o desenho que hoje acompanha o romano é um itálico baseado no trabalho de Giovanni Tagliente, em 1520. Morison editou também através da Monotype, uma dupla de typefaces (Poliphilus e Blado), baseados nas impressões da obra Hipnaerotomachia Poliphili, considerada por muitos como a obra mais bela de Manuzio e dos livros do Renascimento, mimetizando inclusivé o borrar da tinta, mas comercialmente, singrou a Bembo. Griffo viria também a ser responsável pela concepção de um typeface com propriedades cursivas, e que poupava espaço,enquadrando-se perfeitamente no novo formato de livro proposto por Aldo Manuzio, que permitia uma produção mais rápida e acessível a mais pessoas. Criava-se assim o tipo itálico, e o formato de "livro de bolso". Curioso como chegamos à conclusão que foi apenas um motivo económico que causou tão evolutivo passo, assim como a Torre de Pisa inclinada, tão famosa, que surgiu apenas porque quando se concluiu a Catedral, chegou-se à conclusão que faltava uma torre sineira.
Outra curiosidade é que os dois tipos de alfabeto não eram usados como complementares, mas como distintos. Existiam livros em romano, e livros em itálico, como tive a oportunidade de contemplar em Roma. Só mais tarde foram utilizados em conjunto, mas ainda com "maiúsculas romanas". Para mais, quando eram concebidos os tipos, a família tratava apenas as minúsculas, porque as maiúsculas eram cruzadas com tipos existentes. Seria apenas Claude Garamond que viria a "inclinar" as maiúculas, já em França, debaixo da influência de Manuzio.
A Bembo viria a popularizar-se de tal maneira que os seus tipos viajariam para França, Holanda, e inclusivé Alemanha, e serviram de inspiração para a concepção de novos typefaces, até aos dias de hoje, o que comprova a eficácia e elegância do seu desenho.
Na realidade, o pretexto que me levou a escrever este artigo, foi um motivo de decepção. Nas cidades italianas que visitei, Firenze (Florença) e Venezia (Veneza), deste legado, já nada resta que seja acessível ao público, para grande desalento meu. A Biblioteca Medicea Laurenziana, em Florença, projectada pelo famoso Michelangelo Buonarroti, estava encerrada ao público, pelo que não pude ver as obras que tanto ansiava. Em Veneza, nem réstia de impressão, nem museus, nem antiquários ou livreiros. Não havia sequer cuidado no uso da tipografia na sinalética, como existia nas inscrições em Roma e Florença usadas para dar o nome às ruas. Só me pude contentar com a fachada da casa de Pietro Bembo, no Rialto de Veneza, que seria a inspiração de Aldo Manuzio. É uma cidade lindíssima e encantadora, mas a bela tipografia perdeu-se nos seus canais.