15.10.08

legibilidade vs "lecturabilidade"



A leitura do artigo "The Science of Typography", escrito pela Ellen Lupton, despertou-me (mais uma vez) para um item que há muito perturba o equilíbrio dos designers gráficos, dos "antigos tipógrafos" e dos typeface designers: a legibilidade e a "lecturabilidade". Há quem as trate como sinónimas, como inversamente proporcionais ou complementares mas distintas. Mas afinal, quais são as diferenças? A legibilidade pode ser explicada por uma simples ida ao oftalmologista. Recordam-se da célebre solicitação: "Ora então leia-me a linha de letras que vê lá no fundo atrás de mim!", isto enquanto nos ofusca com uma pequena lâmpada a poucos centímetros do nosso rosto. Trata-se da capacidade de distinção das formas canónicas daquilo que entendemos ser uma letra: distinguir umas letras das outras, a forma do fundo. É uma propriedade intrínseca da letra, que lhe permite ser "percebida" como a letra que é. Quando se pergunta: " - consegues ler?", as variáveis não se afastarão do contraste forma/fundo e escala.
Quando se fala de "lecturabilidade", as fronteiras tornam-se difusas. Esta é uma tradução possível do inglês "readability", que me suscita algumas dúvidas. Eu definiria, a grosso modo, como a capacidade que um texto tem de suscitar apetência para ser lido, de atrair o leitor, mas acima de tudo de facilitar a sua compreensão do conteúdo.
A nível de disciplina profissional: legibilidade trata-se do desenho de letra, ou typeface design, e a lecturabilidade trata da paginação e tipografia, ou seja, do tratamento dado ao texto, em todas as suas vertentes. A legibiligidade trata o texto de um modo microscópico, enquanto que a "lecturabilidade" trata o texto de um modo macroscópico - o detalhe e o todo. Eu entendo que quando Alex White diz serem proporcionalmente inversos, será porque quando nos concentramos apenas na capacidade física de ler o texto, o espaço para o relacionamento emocional e cognitivo reduz-se. A tipografia, quando bem praticada, estabelece uma ligação mental com o leitor facilitando a canalização do conteúdo, e acelera a compreensão, convidando-o a um exercício mental que une a forma com o conteúdo e o dota de personalidade. Vai para além da apresentação de formas perceptíveis, tornando-as cognitivamente e até emocionalmente adictivas.
Na prática, tudo se poderá resumir a: "Consegues ler o texto? Sim, mas fala de quê? e "Isto sugere-me qualquer coisa, deixa-me ver de que se trata". Se isto acontecer, o anzol foi mordido, e o objectivo foi cumprido.

2 comentários:

  1. humbertodearaujo@gmail.com22/09/10, 16:25

    Caro Sandro, há algum tempo tenho refletido sobre a materialidade do texto. Isso se deve à minha formação, tenho estado envolvido com editoração eletrônica desde a época em que o pagemaker era da Aldus e sou formado em Letras, com mestrado em literatura (meus alunos da disciplina de Computação Gráfica ficam assustados quando falo da minha formação acadêmica. Sempre fiquei com angústia quanto da tradução dos termos legibility e readability. Optei em minhas aulas de tipografia a explicar que esses termos são comumente traduzidos nos textos de tipografia em português como legibilidade e lecturabilidade respectivamente, mas que eu prefiro usar os termos visibilidade e legibilidade, pois me parecem que esses termos estão mais próximos do sentido dos verbos em inglês sem apelar para uma tradução forçada. Istoé, consegue ver bem a letra? ela é visível. Tá bom para ler? então é legível.

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  2. Caríssimo, para começar, agradeço o comentário.
    Porém, discordo da sua observação, pelo simples facto de que tudo o que se pode ver é "visível", e não inclui apenas as letras mas todo o mundo visual. O facto de optar pela "lecturabilidade" (e não é um termo inventado por mim) resulta do facto de estar associado com a leitura, escrita, linguagem verbal. Poderíamos falar sobre percepção das formas, sinalética, etc., e então estaríamos em vários campos onde estamos a falar de ver e percepcionar as coisas, e não de lê-las, ou distinguir as formas e contra formas que constituem as letras. Volto a repetir: legibilidade é a capacidade de ler, distinguindo as formas, juntando as manchas e construindo frases. Lecturabilidade trata-se do despertar da apetência para o texto ser lido, de uma apreciação global, ainda sem extracção do conteúdo, mas revelando um sentimento de contexto dele, numa forma mais gráfica.

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