6.11.08

avec ou sans?


Ao contrário do que se pensa sobre as letras, o tipo "sans serif", ou sem serifa, é anterior ao clássico e antigo serifado. Inscrições em cerâmica e pedra mostraram-nos que os gregos escreviam de uma forma que hoje poderemos chamar aproximada de um sans serif uppercase, de linhas simples. Mais tarde vieram os romanos, que pediram emprestadas letras aos gregos,mas que continuaram a escrever com as mesmas características formais. É actualmente aceite quase dogmaticamente que a serifada poderá ter tido a sua origem nas letras esculpidas pelos romanos nas suas pedras e monumentos, a famosa Monumentalis Quadrata. As letras eram desenhadas a pincel para depois serem escavadas na pedra e a serifa resultaria de um corte terminal nas extremidades das letras. Um typeface que tão bem ilustra a beleza desta escrita é a Trajan, desenhada por Carol Twombly, que infelizmente tem sido usada sem contexto que a respeite. Quando as letras passaram das pedras para o pergaminho, papiro e outros suportes de escrita, muito aconteceu. A história é longa e poderemos, com estudo e exploração, atribuir diversas culpas para a origem da letra serifada como a conhecemos hoje. A Monumentalis Rustica, que mimetizava as serifas da Quadrata com o pincel, a pena, as diversas escritas góticas "blackletter" que eram são características pelas suas terminações grossas e pontiagudas, a escrita Carolíngia cujos términos de erro de ponta poderão sugerir as tais serifas, e que darão origem ao alfabeto de minúsculas como hoje as conhecemos. Sim, porque não nos devemos esquecer que os caracteres que compõem o nosso alfabeto são uma aglomeração de várias escritas que foram usadas como independentes durante muito tempo: a monumentalis quadrata terá dado origem às nossas maiúsculas, o albeto manuscrito dos documentos de Carlos Magno terá dado origem às nossas minúsculas, e a numeração árabe, os nossos dígitos.
Quando Nicolas Jenson concebeu os primeiros tipos venezianos como são hoje conhecidos, à semelhança de Gutenberg, mimetizou a escrita decorrente do contexto onde se inseria, mas ainda que sugira caligráfico, o trabalho no metal deu-lhes uns toques de perfeccionismo que faltava. Durante anos e anos, a letra serifada sofreu mutações e ramificou-se em muitas estirpes, mas continuava dominadora no campo literário. Apenas no final do século XIX viria a ser desafiada por uma letra que começava a libertar-se desses "órgãos vestigiais". Na Europa, as avantgardes artísticas, experimentalismos racionais e industrialização, originavam letras com espessuras regulares, de imposição geométrica, "sans serif", libertando-se dos clássicos serifados. Na América, onde o advertising crescia, precisava de letras de grande escala e peso visual, para atrair compradores, desenvolvendo as suas "gothic", denominadas assim por comparação com o peso visual da "textura" gótica europeia.
Hoje em dia, o typeface design gira em torno de uma classificação que tem por base os mais variados critérios, desde os movimentos artísticos contemporâneos da data de criação dos typefaces ou outro contexto histórico, aos seus atributos categóricos na hierarquia de informação, etc., e as famílias tipográficas já possuem uma genealogia que se expande desde o serif, à sans serif, atravessando outros patamares híbridos que dificultam a sua classificação. Um bom exemplo disso é a família Rotis, de Otl Aicher. Mas o que continua a ser alvo de discussão são as questões da legibilidade e "lecturabilidade", premissas das quais o typeface nunca poderá fugir. O que acontece é que as suas propriedades são agora associadas às hieraquias de informação no design editorial, o que para mim faz todo o sentido. A hierarquia traz necessidades específicas de desenho de letra, que obviamente influenciarão todo o layout. Porém, a grande questão que se coloca ainda é a comparação de legibilidade: qual é mais legível? A sans serif ou a serif? Depende. Estamos a falar de um outdoor 8x3 metros, ou de um cartão pessoal? Estamos a falar de um dicionário ou de um cartaz? Um jornal, revista ou brochura? As características de leitura são diferentes. Era impensável para mim usar uma Didot na sinalética de estrada, da mesma forma que não paginaria um livro de Saramago em Franklin Gothic. É necessário pesar os adversários e colocá-los num ringue adequado. Quando falando em texto extensivo, digamos, uma revista com um volume considerável de âmbito literário e menos ilustrada graficamente, usaria a que é considerada mais legível, uma serif. E pensei um pouco sobre este argumento. Não se trata apenas de respeitar a sua tradição literária, porque existem typefaces serifados com características "modernas". Acho que a questão do contraste e terminação serão úteis. Um desenho sans serif tende a ser de espessura constante e de desenho geométrico mais rígido, ou grotesco, tornando a sua mancha mais uniforme. Mesmo alterando a sua altura de x, a relação de ascendentes/descendentes tende a ser mais curta. Isto poderá ter consequências de leitura "monofónica", e a mancha torna-se demasiado homogénea. Creio que é necessário um contraste adequado para o descernimento perceptivo do leitor. A existência de serifas força a modulação, aumentando naturalmente o contraste. Para mais, reforça os terminais das letras, enfatizando os seus limites. Outra característica positiva é que a entrelinha delinea-se de uma forma natural, ajudando visualmente a percorrer os ritmos horizontais. Para textos extensivos, onde as coluna poderá ter um número de palavras superior a 8, 10 palavras por linha, torna-se um auxílio a não descartar. Poderá argumentar-se que a legibilidade dos typefaces sans serif poderá ser melhorada com o aumento da entrelinha, e que a altura de x maior também proporciona melhor legibilidade, mas na realidade é um atributo inerente ao sans serif que nasceu por consequência e não por origem do desenho.
Idealmente? Colocar estas características no lugar certo, combinando os atributos. Deixar o serif para o corpo de texto principal, e utilizar o sans serif para títulos, folios (números de pagina) e notas, mas é necessário negociar o espacejamento, e pesos visuais. Há muito por onde escolher e os mais variados critérios de escolha, mas o importante é que tudo seja lido sem dificuldade e com a melhor veiculação de conteúdo possível. Alors a vous: avec ou sans?

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