Iniciei recentemente uma campanha no facebook com o intuito de reunir o maior número de tipófilos possível, para ter uma noção de quantas pessoas, afinal, são apaixonadas pelas letras e tudo o que tenha a ver com elas. Assim sendo, fica aqui o convite a fazer um "like" na página do facebook typophilia, e poderão também juntar-se ao grupo. Façam posts, mandem fotos, vídeos, e tudo o que possa fazer sentido. O importante é que tenha letras.
28.11.10
7.11.10
A complexidade do simples
Recordo com alguma nostalgia um “terrível” professor de matemática que tive no 11º ano. Ele costumava afirmar com convicção que “uma das coisas mais difíceis de fazer é simplificar”. Deu-me mesmo que pensar. Naquele contexto em que ele falava, referia-se a um termo que ele detestava e que os alunos utilizam com frequência: “cortar”. Em matemática, quando se multiplica por uma determinada quantidade e simultaneamente se divide, “cortam-se” as quantidades, transformando uma fracção num número inteiro, por exemplo. Trata-se de retirar os elementos que não interessam e chegar a um valor canónico, ou seja, que não se pode reduzir mais.
Apesar da expressiva aversão dos designers e dos profissionais e alunos das belas-artes à matemática, na verdade são muitas vezes executados muitos princípios matemáticos, ou são postos em prática muitos fundamentos dessa natureza. No período do Renascimento, estava frequentemente e até obsessivamente presente, a série de Fibonacci (1,1,2,3,5,8,13,21,34,55,89,...) na qual cada número é a soma dos dois números imediatamente anteriores na própria série. Esta razão matemática existe aplicada pela própria Natureza, e um dos exemplos mais conhecidos é a concha do Nautilus, que se desenvolve numa espiral perfeita, aumentando de raio segundo a proporção representada por esta série. No campo das artes, esta série torna-se um pouco menos abstracta para se representar graficamente através do conhecido rectângulo de ouro, conseguido através de um quadrado base. Este rectângulo apresenta, segundo vários estudos, as proporções “perfeitas”, tornando-se “mais agradáveis à vista”. Este conceito de proporção foi aplicado no Renascimento a todas as formas de arte, e o Uomo di Vitrúvio de Leonardo da Vinci ilustra isto de forma flagrante. Estas concepções foram transportadas também para a tipografia e composição editorial. Ainda hoje, formatos 13x21cm (elementos que são parte da série de Fibonacci) ou muito próximos são encontrados nos livros e outras publicações, e as proporções de mancha tipográfica na composição do layout seguem também estas premissas. A concepção rival, mas que é em tudo semelhante é a proporção “raíz de 2”, base para os formatos standardizados ISO A (na qual encontramos os formatos A4, A3, etc.), adoptados na indústria do papel, que se relacionam matematicamente, na medida em que a largura do elemento consecutivo corresponde ao comprimento do anterior.
Jan Tschichold é um bom exemplo de alguém racionalista, que conduziu o seu trabalho sob rígidas talas geométricas até que, algures no seu percuso, deu-se conta da presença destas relações na tipografia clássica e, mais do que abandonar as suas convicções, simplesmente redescobriu a sua posição racionalista geométrica numa expressão clássica, contudo menos industrial e mais humanizada. A sua obsessão pelo typeface Univers, viria a dar lugar a humanizada Gill Sans para culminar na Sabon, de desenho do próprio, enaltecendo os valores clássicos que aprendeu a respeitar e admirar. O seu trabalho notável na Penguin Books baseou-se em trabalhos de Van de Graaf e outros, que utilizava relações geométricas baseadas na razão de ouro para distibuir os elementos num layout em paginações, e estabelecer as proporções de mancha tipográfica em função do formato. Desta forma, e chegando a repudiar as suas próprias ideias publicadas na obra Die Neue Typographie, chegou à conclusão de que : “Though largely forgotten today, methods and rules upon which it is impossible to improve have been developed for centuries. To produce perfect books these rules have to be brought to life and applied. (...)”, ou seja, os métodos e regras antigas, hoje muitas vezes esquecidas, desenvolvidos ao longo dos séculos, são na realidade impossíveis de melhorar e, para produzir livros “perfeitos” essas regras devem ressurgir e ser aplicadas.
No decorrer dos tempos, o Homem tem feito esforços por descobrir e justificar as relações entre fenómenos, formas e elementos, e que se expressam através das mais variadas formas e linguagens, sejam elas científicas, artísticas ou outras, tendo como base comum a razão.
No design esta procura também acontece, embora de uma forma camuflada, intuitiva, e muitas vezes até ingénua. As centenas de posições em que um designer posiciona os elementos de um cartaz buscam nada mais que o equilíbrio, proporção, eficácia. Não é nada fácil, especialmente para quem não é designer, detectar as subtilezas que fazem com que tudo funcione. Apenas se constata e se “tem a sensação que está bem”, mas não se consegue descrever o porquê de tudo aparentemente “bater certo”, quando o design é bem conseguido. Apesar de não existir uma fórmula resolvente para executar os projectos em design, existe porém uma plataforma comum que permite facilitar as tarefas: a estrutura. Não falo apenas de guides que se podem puxar facilmente das réguas gráficas de um software de desktop publishing, mas na construção de uma grelha que estabeleça relações entre os possíveis elementos. Uma grelha define alinhamentos, possibilidades de seccionamento de informação e formatação textual, e concede lugares a todos os tipos de elementos, gráficos e imagéticos. A melhor parte é que uma única grelha permite uma infindade de resultados, com a mesma base, e poupa horas extraordinárias de tentativas frustradas. Quando bem concebida e aplicada, exprime-se através dos próprios elementos, quando ela “desaparece”, e não é porque se fala de estrutura e grelha, que os elementos têm necessariamente de ser geometricamente rigorosos ou até feitos a computador. Até porque muitos dos typefaces mais recentes, por exemplo, tentam repescar tradições caligráficas procurando mimetizar a expressão imperfeita manual. É também permitida a utilização de uma grelha geométrica rigorosa “à mão levantada”, como já se constatou em capas de grandes publicações, simulando uma página de diário gráfico, dando um cariz de sketch humano ingénuo a uma publicação impressa com rigor tecnológico. Trata-se, no fundo, de dar uma linha condutora e estuturante ao projecto, dando-lhe um suporte, mais que uma restrição, e ajuda a combater os sintomas do síndrome da “página em branco”.
Outra expressão flagrante desta ideia de simplificação é a concepção de um ícone. Esta forma pictográfica é despojada de artifícios considerados irrelevantes para a percepção e posterior apreensão e compreensão das formas que se pretende representar, reduzindo as formas mais salientes de um objecto à sua forma de expressão canónica, impossível de “simplificar” mais. O exercício de estilização, ou filtragem de ornamento é um processo complexo, que à medida que avança, se torna cada vez mais difícil, pois o número de elementos vai reduzindo cada vez mais, a um ponto em que quando se retirar um deles, fará falta para a apreensão do todo. Pomos aqui em evidência as leis da Gestalt, que sempre me pareceram controversas.
Regressando um pouco ao imaginário matemático, é fácil conceber uma imagem mental de uma expressão cheia de integrais, somatórios, derivadas e números complexos, que mais parecem grego, que no final e de forma surpreendente e muitas vezes incompreendida, e a seguir ao símbolo de igual (=), aparece um resultado “simples” e óbvio. O problema foi como se chegou lá. E é aqui que o discurso do designer tem de parecer objectivo, coerente e justificado, quando tenta explicar como chegou ao resultado final. Uma das coisas mais difíceis para um designer de comunicação é apresentar um logótipo. Uma forma simples, de duas ou três cores, um ou dois typefaces, no fundo branco da folha de papel. Um cocktail, ou batido, que muitos clientes têm dificuldade em saborear, e compreender os porquês. Um logótipo, e todos os suportes de identidade daí inerentes, são resultado de um complexo processo de conjugação de toda uma míriade de elementos, que são muitas vezes inimagináveis para o cliente. São muitos critérios a considerar, e é preciso chegar a um resultado satisfatório que consiga transparecer as premissas essenciais da identidade da entidade representada. Para isso, é necessária a destilação de um conceito forte, que consiga por sua vez exprimir a ideia mais representativa que se pretende transmitir. Porque é impossível dizer tudo. A ideia de “less is more”, compatível com o “quanto mais se quer dizer, menos se diz” explica um pouco isso.
Como representar uma entidade, os seus produtos e serviços, a sua filosofia de trabalho, o seu mercado e público-alvo, através de cores, formas e letras? É aí que está a dificuldade do trabalho de um designer. O designer é um tradutor, um químico, um artista e um orador. Daí que seja muito importante a cultura visual e sociológica do contexto em que tem de se inserir. Sim, porque idealmente o designer tem de possuir a capacidade de se abstrair dos seus gostos, convicções e ideais, para encarnar as personalidades simultaneamente do cliente e do seu público-alvo, para que possa criar para ele(s). Na realidade e na prática, o que acontece é que o designer hoje em dia é procurado pelo seu portfólio, pela sua linguagem ou reputação. O cliente que o procura identifica-se com o tipo de trabalho que o designer já fez ou para quem trabalhou, e pretende ser “tratado” da mesma forma, o que permite uma inflação ridícula dos preços desses serviços, alimentando os “golias” do design, que podem até nem fazer um bom trabalho, mas é pago como tal e graças à sua reputação e visibilidade, se tornam “inquestionáveis”.
O simples é o mais complexo que pode existir. Segundo o dicionário Universal, complexo “encerra várias coisas e ideias” e não deve ser confudido com complicado. Olhando para um “simples” círculo, o nosso imaginário e biblioteca mental faz um search nas suas bases de dados e pode atribuir muitos valores possíveis. Um círculo pode significar ou sugerir uma roda, um prato, uma base de copo, um cd, um sombrero. Talvez adicionando uma ou duas circunferências concêntricas, de raio variável, ajude a restringir as hipóteses, mas continuam a ser muitas. À medida que vão sendo adicionados mais elementos, as possibilidades vão reduzindo de abrangência e ambiguidade. Outras variáveis, ou mudanças de linguagem gráfica, como espessura de linha, cor, volumetria, etc., voltam a multiplicar as possibilidades, e a criar um enredo maior. E não se considerou que o universo visual de várias culturas introduz diferenças perceptivas: um mexicano provavelmente irá ver um sombrero mais facilmente que nós portugueses.
Depois de fazer este percurso divagante, simplificar torna-se o percurso inverso. Quando alguém ao volante de um automóvel se dirige a uma localidade desconhecida, sem um gps, para levar alguém a casa que, sentado ao seu lado lhe dá indicações e essa pessoa fica em casa, encontrar o caminho de volta torna-se um desafio. Outro exemplo é a meio de uma conversa ou até no final, tentar recordar a linha de raciocínios discutidos até então. É raro e muito difícil apanhar o fio à meada. Posto isto, agora é possível entender o quão difícil é o caminho de um designer. O que é aparentemente simples é na realidade um rastilho de ideias que leva a uma explosão mental na cabeça de quem o contempla, desafiando quem se deixa cativar. É muito comum um designer ser surpreendido com outras perspectivas e sugestões de “quem está de fora” acerca dos logótipos que concebe, razão pela qual muitas vezes recomeça, porque o caminho o levou a resultados indesejados e prejudiciais ao conceito inicial. É bom “afastar-se” do trabalho e olhar para ele de novo mais tarde, com a cabeça mais fresca, e a auto-crítica menos tendenciosa. De científico, apenas a colocação da hipótese, a tentativa e erro, porque fórmulas e verdades absolutas não as há. Existem apenas possibilidades, umas mais eficazes do que outras, ou “funcionais”, adjectivo bastante comum entre designers.
A grande luta é, e continua a ser tentar fazer ver os clientes que aquele logótipo tão “simples”, pode ser executado em poucos minutos, mas por vezes demora anos a saber como fazê-los, e semanas para chegar a esse resultado. Todos os resultados são óbvios, quando se sabe a sua resolução. E agora, ainda acha o simples, simples?
5.11.10
2º aniversário
No passado dia 29 de Outubro, o blog typographia comemorou o seu segundo aniversário. Lamento que a sua actualização não tenha sido efectuada durante muito tempo, mas nem sempre é fácil a dedicação a actividades paralelas ou complementares, quando o trabalho, compromissos e preocupações nos imergem, retirando-nos até o tempo a dedicar às coisas que mais gostamos de fazer. Estou neste momento a pensar em reatar as ideias, e escrever um pouco mais. Um muito obrigado por todas visitas, ainda que muitas sejam acidentais, e pelas referências noutros blogs e sites.
Enquanto um novo artigo não é publicado, poderão sempre ter acesso a pequenas novidades e referências no meu twitter. Continuem a ler e a fazer comentários, porque isso é sempre motivador.