11.11.05

a linguagem gráfica : uma perspectiva semiótica


Uma expressão recorrente entre amigos e colegas, ainda que seja muitas vezes empregue com entoação de troça, é a pergunta: "Queres que te faça um desenho?". Realmente existe algo mais de complexo e interessante por detrás disto. Se pensarmos bem, nós aprendemos a lidar com formas e cores antes de escrevermos com o complexo alfabeto. Todos nós em crianças fizemos vezes sem conta desenhos de árvores, carros, casas e pessoas, com os mais variados materiais e com as mais diversas cores. Aparenta ser uma linguagem mais imediata do que a escrita, tanto que existem pessoas que apesar de não saberem ler e escrever conseguem viver em sociedade, ainda que com algumas restrições. O exercício de representar o mundo que nos rodeia é importante na formação da criança. Na verdade, a análise dos desenhos com algum detalhe revela muito mais do que se possa inicialmente pensar: muitas vezes a uma criança expressa através do desenho muitos dos seus sentimentos, segredos e ilusões, que interpretados correctamente, nos dão indícios de situações que desconhecemos e nos podem ser muito úteis para justificar comportamentos estranhos ou menos saudáveis. Isto é verdade não só para as crianças, mas como para alguns adultos com determinadas dificuldades ou problemas do foro psiquiátrico como a esquizofrenia, por exemplo (são conhecidos muitos casos de artistas loucos com trabalhos que provocam tumultos na razão humana, na medida em que num estado mental considerado patológico, e que altera a percepção ou raciocínio, estão à altura dos grandes nomes da arte e desafiam a compreensão e a estética). A importância das imagens na pedagogia pode ainda ser paralela à evolução mental. Quando é apresentada uma figura de um veado à criança que conhece o cão e o gato, muito provavelmente ela denominará o veado de cão. Isto acontece porque como a criança não conhece a forma do novo animal, ela busca na sua base de dados, ainda rudimentar, uma forma semelhante às que conhece. Apenas mais tarde, quando conseguir discernir as características específicas de cada um dos animais, ela criará uma nova categoria de animal: o grupo dos veados. Isto leva-nos a um conceito muito importante: o conceito de ícone segundo Peirce, que não é mais que um signo† que mantém uma relação de analogia com aquilo que representa, ou seja, é uma representação que tem características formais semelhantes às do objecto original. Existe a tendência para chegar a uma forma canónica do objecto em questão que define a sua morfologia, ou seja, é um exercício de síntese que tem como objectivo reduzir o objecto às suas formas mais simples e evidentes, como a silhueta de um ser humano, sem os pormenores anatómicos considerados irrelevantes. A função do ícone é a leitura e percepção rápidas para poupar tempo de processamento de informação, pelo que é muito usado na sinalética, nomeadamente na de estrada e de locais públicos como aeroportos, shoppings, etc., e mais recentemente nos sistemas operativos informáticos gráficos, como é o caso do windows ou do mac-os. Esta propriedade de semelhança com os objectos possibilita um reconhecimento mais imediato, pelo que ajudam os tecnofóbicos e os menos literados a lidar com as novas tecnologias. Hoje em dia é enorme a quantidade de assuntos e discussões em torno deste fenómeno dos ícones, que surgem como uma autêntica nova linguagem criada no berço tecnológico, que já possui alfabeto próprio. Um outro conceito de Peirce relacionado, é o de indício, que representa uma relação causal de contiguidade física com aquilo que eles representam (um exemplo disso é a nuvem que indicia chuva. O significante não está relacionado morfologicamente com o seu significado, ainda que a marca de uma ferradura seja o contra-molde da ferradura que o fez, mas o que se pretende dizer é que passou por ali um cavalo. A complexidade aumentará por exemplo, se se atender às características da marca da ferradura, para tentar saber que o cavalo caminhava ou galopava. Em todo o caso, é a relação de causa/efeito que está evidenciada. Finalmente, o símbolo. Este é provavelmente o mais complexo dos signos, na medida em que não são os órgãos sensoriais que identificam, ou tentam identificar o significado. Trata-se de um exercício de atribuição racional de significado, da qual depende de muitos contextos, sendo talvez o cultural o mais relevante. A natureza do símbolo é convencional, o que significa que se atribuiu um significado independendente da morfologia do objecto que significa e da relação com o mesmo, e resulta de um processo aleatório de forma. Poderá eventualmente assumir propriedades icónicas sugestivas, mas isso não é determinante. Um exemplo prático disso é o símbolo de "mais" (+), que consoante o seu contexto poderá significar adição (1+2), positivo (Na+), sentido (+45º) ou ainda o cristianismo e a Cruz Vermelha, entidade internacional que acaba por ser um bom exemplo, na medida em que sofre a mutação cultural para a lua de quarto crescente nos países islâmicos por motivos religiosos. Aqui está a parte interessante: não depende da relação, mas depende do contexto, e são necessários conhecimentos de várias naturezas para o descortinar, nomeadamente dos códigos culturais de onde nasceu esse símbolo. Estas categorias estão relacionadas com o processo do design, na medida em que pode determinar-se uma linguagem ou escolher um caminho na execução de um projecto. Poderá ser utilizado um ícone, quando necessária a proximidade formal com o conteúdo (caso da sinalética como já vimos anteriormente); um indício uma provocação publicitária (teaser) em que se esconde o produto que se pretende publicitar, mas que é revelado conotativamente; ou um símbolo, na criação de um logótipo, em que se irá associar determinados conceitos formais a uma entidade ou serviço ou objecto. Trata-se de trabalhar o meio para conseguir formular um significado, e isto é processado e conseguido das mais variadas formas, mas sem nunca desprezar o contexto que lhe dá validade, seja ele de que natureza for. É simples de pensar que o que para nós ocidentais a nível cromático poderá significar alegria e festa, noutras culturas poderá sugerir luto ou tristeza, como é o caso da cor branca. O domínio dos códigos comuns a uma determinada cultura é uma poderosa ferramenta que o designer deve utilizar, uma vez que é parte integrante da sociedade e nela se movimenta e para ela cria, mas não deve abusar da sua função pedagógica. Qualquer pessoa reconhece nas vitrines as cores da moda actual que poderão ser utilizadas nos mais diversos suportes pelo designer, mas o uso revivalista das formas arquitectónicas barrocas só será reconhecido por alguém instruído ou familiarizado com a estética da época. Este facto também permite ao designer seleccionar e dirigir os seus discursos a um público-alvo restricto, mas o critério deve ser tido em conta. O que é facto, é que outrora já soubemos desenhar, expressarmo-nos através de desenhos e imagens, mas na nossa área, precisamos reaprender o processo e adaptá-lo às necessidades intelectuais e estéticas do contexto social e cultural em que trabalhamos, tão complexas e interessantes.

† Um signo é "(...) algo que significa outra coisa para alguém, devido a uma qualquer relação ou a qualquer título. O signo mantém uma relação solidária entre pelo menos 3 pólos: a face perceptível do signo ou significante, aquilo que representa: o objecto ou referente e aquilo que significa, ou significado. Esta triangulação é também representativa da dinâmica de todo o signo euquanto processo semiótico, cuja significação depende tanto do contexto da sua aparição como da expectativa do seu receptor (...)".
in "Introduction à l’analyse de l’image", Martine Joly, 1994

‡ De notar que me refiro apenas às características visuais, mas poderá tratar-se de ícones relacionados com outros órgãos dos sentidos. O ícone mimetiza as semelhanças do objecto, não necessariamente visuais, como é o caso dos perfumes que imitam os aromas de frutos).