11.3.09

design(er)


Conhecido como ‘criativo’, o designer é para muitos aquela pessoa que ‘tem jeito para o desenho’, ‘faz bonecos’, ou um ‘gráfico’ que ‘desenrasca uns logótipos’. Sempre me foi (e continua a ser) difícil explicar o que faz um designer aos demais de gerações anteriores e de ofícios tradicionais, e nesta área, são muitos os que conheço que partilham da mesma sensação. Mas afinal o que é o ‘design’? O que significa ser ‘designer’? A associação recorrente sugere uma actividade relacionada com o desenho, mas desenhar com que objectivo? É de facto uma ferramenta essencial mas não é bastante para definir o seu processo e a sua metodologia, ou perceber os carris sobre os quais se desloca.
De um modo sintético e algo superficial, o designer encontra soluções para necessidades utilitárias e comunicacionais de forma original e inovadora, através da metodologia projectual, recorrendo ao desenho e outras formas de expressão para materilizar os resultados do processo imaginativo, segundo os parâmetros contextuais em que o projecto decorre. Mas quais os fundamentos e princípios sob os quais esta disciplina se rege? Ainda que se possam argumentar algumas vertentes, filosofias ou tendências que servem de linha condutora num curso de design de uma determinada escola, existe em comum o objectivo de incutir princípios que circulam em torno de duas premissas essenciais: a funcionalidade e a estética. Segundo estas, função remete para a necessidade de resolução de problemas ‘utilitários’; estética para as questões da forma, que sendo a uma componente mais subjectiva, dá origem a debates sobre o gosto e a (re)definição do belo. Quem critica ou ensina, recorre muitas vezes à expressão "funciona", como forma de distanciamento da sua posição pessoal em relação a uma proposta de projecto apresentada ou em curso, mas a verdade é que nunca nos distanciamos totalmente do gosto na avaliação dos trabalhos. Os clientes fazem-no de um modo macroscópico, muitas vezes sob preferências que nos soam ridículas ou despropositadas, mas entre designers, ou docentes e alunos, a discussão ganha uma intensidade maiúscula de pormenor microscópico. É verdade que o design vive dos detalhes, mais ou menos subtis, e esta constatação faz-me questionar os princípios da Gestalt recorrentemente. Mas falava de função. Muitos designers e entendidos nas matérias do design e adjacentes afirmam solenemente que para o design existir, ou iniciar a sua intervenção, necessitamos de uma necessidade (passo o pleonasmo). "To whom is design adressed to?" – perguntavam os Eames, ao que estes respondiam: "The need". Uma resposta talvez "politicamente correcta", já que a condição insatisfeita do Homem, independentemente do seu contexto cultural, geográfico ou tudo o que o possa classificar ou etiquetar, produz sempre uma necessidade. Mas a questão da utilidade é alvo de muitas reflexões e discussões.

Um designer não é um artista, e afirma-se que uma das diferenças entre um designer e um artista, é precisamente que o que um artista produz não é "útil". Discordo, uma vez que a Arte é tão documental como a própria história; existe desde que o Homem “é homem” e representa a sua expressão em tantas formas possíveis. Trata-se de uma forma de comunicação que explora os mais variados códigos e tenta inclusivé reinventá-los, por isso se torna tão difícil de descodificar. E se não se descodifica, não se compreende o seu conteúdo e a veiculação do mesmo, pelo que não se reconhece a sua ‘utilidade’. E é aqui, julgo, que as coisas se separam. O design pede emprestadas as técnicas de representação e expressão artísticas para trabalhar a componente comunicacional do design. Se as técnicas são úteis para o designer com o fim de trabalhar o medium através do qual de veicula a mensagem que se pretende transmitir, então entra-se em contradição quando se afirma que a arte não é útil. Existem, no entanto, tentativas de “dar utilidade à arte” tornando-a aplicada, através do ornamento do objecto, e é aqui encontramos um outro ponto de dispersão: o design não deve ornamentar o que já existe, objectualmente falando, porque a questão funcionalista deve fazer parte da concepção.
O design defende que se concebe um objecto para que este seja usado e não meramente contemplado, no entanto, existem várias formas de arte cujo propósito é efémero e se baseia na interacção instantânea, na cinética, no momento, alvejando a ideia de obra de arte intemporal, de culto e contemplação. Outra premissa defende que antes de tudo tem de ser cumprida a função (utilitária); apenas depois poderá ser inserido o valor ‘acrescentado’. Outra ambiguidade, já que assim a intervenção do designer aparenta ser tardia, mas reparemos no seguinte: o valor acrescentado poderá ser apenas na técnica de concepção, e não se materializar ou revelar aparente. Isso é coerente com a ideia de que o ‘bom’ design é aquele que optimiza a produtividade e aumenta a qualidade. Trata-se de fazer alterações subtis no processo de produção que permitirão essa optimização. Este pensamento revela a função industrial do design, que se distancia da arte. O artista idealiza, visualiza e concebe pelos próprios meios uma obra de arte única e inconfundível, ainda que nalgumas circunstâncias seja propositada a ausência do artista no processo de concepção. O designer trabalha segundo a metodologia do projecto, onde ‘prevê’ a forma final e as suas características físicas, salvo raríssimas excepções. No processo desta metodologia, o designer passa o testemunho do projecto com indicações e requisitos para que outrém produza a ‘sua peça’, e ainda que possa ser ‘assinada pelo seu criador’, será reproduzida vezes sem conta. É única ‘no seu desenho’, mas também é única para todos os que o queiram e possam adquirir.

Onde começa a intervenção de um designer? Idealmente, a função do designer surge com a necessidade de um público-alvo, que é detectada por estudos de mercado, e que poderão impelir uma empresa a criar um produto ou serviço para responder a essa necessidade. Se assim o entender, e empresa investirá num designer para projectar, em consonância com os recursos da empresa ou que esta poderá subcontratar, um produto ou serviço para responder às necessidades detectadas. O designer idealiza, colocando hipóteses e usando a sua imaginação e a ferramenta do desenho para tentar ‘vender o projecto’. São analisados meios para que possa ser executado, e depois acompanhará o desenrolar do processo, muitas vezes tendo de voltar atrás para corrigir algumas imperfeições ou detalhes que tecnicamente se tornam difíceis de concretizar. Quando finalmente é produzido, dará entrada no mercado pelo meio mais adequado ao seu público-alvo, que depende inevitavelmente da natureza do produto. É importante dizer que o designer poderá criar o produto novo, mas pode dar-se o caso de apenas ter de comunicar para o promover, uma vez que o produto ou serviço não se enquadra nas competências do designer, como produtos gastronómicos, por exemplo, ou de bases químicas. Ainda assim, quando o trabalho não é apenas entregue a uma agência para se conceberem suportes comunicacionais, o designer fará parte de uma equipa, e sendo um elo da corrente, não trabalha sozinho e independente. No seio de uma empresa, nomeadamente de produção de equipamentos, o designer deverá absorver todas as informações, filosofia e competências possíveis do seu ambiente, para que faça parte dele e utilize de forma optimizada os recursos da empresa na execução do projecto.
O trabalho do designer é, na realidade, avaliado pelo público-alvo a que se destina, e muitas vezes poderá falhar o seu objectivo. Quando um trabalho “sai à rua”, existem as mais variadas observações por parte da concorrência e de críticos que se movimentam nesta área, pelas mais variadas razões, mas os estudos de mercado do impacto do produto é que ditarão a sua sentença. Com sorte, o processo e o produto poderão vir a constar nos anuários de design, e vir a ser um showcase para estudos de ‘como fazer bem’, contudo, não nos esqueçamos que coloquei a hipótese de o trabalho ser conduzido em factores ideais de execução e ser bem sucedido.
A justificação para a existência do design é muitas vezes nada mais que ‘económico’ ou ‘comercial’, embora muitas vezes em certos ramos do design isso pareça difícil de discernir. Mais uma vez, falamos das diferenças entre o designer e o artista. O artista ‘não necessitará’ das regras do mercado para existir, embora tenha o seu próprio mercado. Quando penso, porém, em mercado, penso quase automaticamente nas linhas quebradas dos gráficos apresentados nos monitores das bolsas de valores, remetendo-me para a inconstância e efemeridade do tempo comercial. Talvez este ‘tempo comercial’ seja o principal responsável pela procura incessante de novas soluções, de inovações, e é comprensível que assim seja, porque a sociedade evolui e com ela as suas necessidades vão também “evoluindo”. Porém, consequentemente, a dita inovação é apenas ilusória e trata-se apenas de uma inovação aparente, que nada traz de novo “funcionalmente falando”, a não ser a resolução da questão da cansada monotonia visual. Como exemplo, a renovação de uma identidade corporativa deve ser reflexo de uma metamorfosse estrutural no funcionamento e filosofia da entidade, nos produtos que esta oferece, um novo posicionamento, expansão de mercado, etc., e não apenas mudar a sua aparência. Ainda assim, devo reconhecer que responder à necessidade de escapar uma fadiga de imagem que se tornou monótona ou antiquada, na realidade não deixa de ser também um motivo válido.
Olhando um pouco para trás na História, a razão da existência do design aparenta prender-se-á à criação de soluções ‘funcionais’. Numa Europa devastada pela guerra em meados do séc. XX, era necessário encontrar soluções que se integravam na optimização dos poucos recursos que restavam, de uma forma rápida e eficaz, para que a indústria pudesse desenvolver e acompanhar. Penso inclusivamente que a redução do ornamento nas várias áreas era justificada precisamente por ser incompatível com a indústria, como o próprio Eric Gill reconheceu na sua época, e isso terá influenciado a noção do belo, que terá sido mais aproximada à função, destilando as formas, reduzindo os apêndices ornamentais atingindo as formas canónicas, na maioria das vezes resultando em objectos de geometria acentuada, mais compatível com a optimização dos processos industriais. [O famoso Estilo Suiço ou Internacional, cujo embaixador foram os typefaces sans serif, nomeadamente a Helvetica, era protagonizado pela simplicidade e acentuação de estrutura que a meu ver, terá sido o resultado de uma evolução lógica.]
Os artesãos que construiram as catedrais eram ‘artistas’ na sua área e trabalhavam directamente a sua matéria. Este processo atravessava gerações e é incomportável numa sociedade industrial crescente. Ora, é sabido que a industrialização acarreta a sectorização da produção, o que faz com que o objecto seja cada vez mais afastado do seu criador. Esta constatação também afasta o designer da ideia de artista. O artista trabalha a sua matéria directamente do princípio ao fim. O designer não tem outra solução a não ser o método do projecto, porque este dará as indicações a outros de como produzir ‘a sua obra’. Toulouse-Lautrec ainda terá trabalhado num processo transitório para fazer os seus cartazes, mas hoje em dia, (em regra) desenha-se um cartaz utilizando um computador com software de desktop publishing e tratamento digital de imagem, exporta-se um ficheiro de produção, que será entregue a uma gráfica em suporte magnético ou utilizando a internet, passando pela pré-impressão, fotolitos ou CTP, passando numa máquina de impressão offset para imprimir com tintas que outros produziram, em papéis que são resultado final de um outro processo industrial complexo. Seguidamente, irá à guilhotina, será embalado, armazenado, transportado e finalmente entregue ao cliente (que normalmente não é o público-alvo, mas o intermediário que poderá ser uma empresa que pretende promover um produto, evento ou serviço), que ainda irá entregar os cartazes a quem distribuirá e colocará estrategicamente nas paredes. Um exemplo prático que denota o longo caminho percorrido, no qual muitas vezes se perde o rasto do objecto projectado, encontrando-se mais tarde por acaso, ou no limite, nunca se chega a ver colocado. Posto isto, fica a ideia que o designer está integrado num processo industrial complexo, que responde às necessidades de uma sociedade exigente que se movimenta a um ritmo extremamente veloz.

As ‘necessidades’ hoje em dia são complexas, e quando se fala de funcionalidade enquanto resposta a estas necessidades temos de ter em atenção aquilo que se entende por função. Penso que a definição de funcionalidade tem vindo a evoluir desde o contexto em que a Bauhaus o defendia. A noção de função remete para a estrutura industrial e de mercado, relacionada com a economia e eficácia das soluções utilitárias encontradas, através da optimização de processos e materiais; mas o que distingue o objecto criado pelo design do engenho é a atribuição de outros valores como a fruição e empatia. Não se trata de conceber um objecto (entenda-se objecto como produto, ou serviço) para responder funcionalmente a uma necessidade utilitária, mas também para responder a necessidades que um ramo da psicologia designou por superiores, na medida em que respondem a necessidades emocionais, intelectuais ou culturais. A questão do quão é ‘agradável’ a ‘utilização’ de um objecto, a forma como o seu público-alvo se relaciona com esse objecto é uma premissa que deve ser equacionada aquando o desenvolvimento de um projecto. Uma coisa é beber água porque se tem sede, outra é beber uma água com gás que possui um sabor distinto, que se usufrui com prazer num copo esteticamente apelativo, num determinado ‘ambiente em que faz sentido’. A publicidade hoje em dia não vende ‘apenas’ o seu produto, mas os contextos em que o produto poderá existir, e os valores que lhes são atribuídos e que contribuem para o seu posicionamento, como o estilo de vida que lhe está associado, com o qual a pessoa se identifica ou ambiciona ter. As necessidades são então ‘provocadas’ pela insatisfação constante do ser humano, seja por fuga à rotina, seja por uma questão de valorização da auto-estima ou de uma imagem social, entre outras, que o marketing explora. Escusado será dizer que os valores éticos e políticos são sempre discutidos, mas acredito que o design trabalha para um público-alvo respeitando e tendo sempre em consideração as suas crenças culturais, religiosas etc., sem pôr em causa os seus próprios valores. Sendo livre, poderá sempre recusar fazer algo em que não acredita, mas nunca deve impôr de uma forma dogmática os seus pontos de vista nos projectos. Isto recorda-me a vulnerabilidade que o design possui por não ser uma ciência. A ciência é justificada e creditada pelo método científico, que defende uma lei que poderá sempre ser comprovada em qualquer altura, indefinidamente. Mas num projecto de design, o resultado final nunca poderá ser 2+2=4, como a matemática nos diz. Não existem fórmulas para obter os resultados, porque estes dependem inevitavelmente das condicionantes do projecto, e de quem o executa. O objecto final do design é uma solução possível, que nunca agrada a gregos e a troianos simultaneamente. Tem de agradar sim, o público-alvo, todavia, muitas vezes no encaminhamento do processo criativo surgem imposições que poderão sabotar a intenção do designer, porque o cliente do projecto não é o público-alvo. O intermediário que encomenda o projecto, se não se basear em constatações de mercado, considerando apenas as questões empíricas ou ‘gosto pessoal’, corre o sério risco de fazer com que o projecto não cumpra os seus objectivos e, para piorar a situação, muitas vezes não reconhece a sua culpa. Isto é reflexo da ignorância do papel do designer que, sendo muitas vezes confundido com um operador de software, que apenas resolve ‘tecnicamente’ o projecto, não lhe sendo dado o devido crédito ou confiança para executar o projecto segundo os parâmetros que este acha adequados. Isto talvez seja mais flagrante no design gráfico, mas acredito que todas as áreas do design padecem deste mal.
Um designer gráfico (ou de comunicação, sendo uma nomenclatura mais abrangente e correcta), aparentemente, possui uma responsabilidade social inferior à de um arquitecto. É verdade que se o projecto habitacional correr mal por imposição de critérios de um arquitecto e o engenheiro civil não for autorizado a corrigir esses caprichos, se a estrutura ruir, as consequências serão graves, porque se trata de um atentado à vida dos habitantes dessa edificação. Mas o arquitecto é um designer (apesar das tentativas de distanciamento, argumentadas pelo objectivo não-industrial de replicação e tantas outras infudamentadas). Trabalha num contexto projectual com uma escala e longevidade muito superior às de um designer e com um nível de impacto social muito maior, mas na realidade, a metodologia é semelhante e o público-alvo é também a sociedade, as pessoas (ironicamente, a arquitectura em certo ponto necessita do design para ser complementada e ainda que a escala de um arquitecto seja global, a nível de mobiliário, por exemplo, um designer de equipamento estará melhor habilitado para o fazer. Para além disso, o design de comunicação ajuda a dar a conhecer o edifício, urbanização, etc. e a promovê-lo e ao estilo de vida que lhe está associado. Seria justo dizer que as áreas são complementares, mas a filosofia unificadora). Imaginando uma situação algo extrema, o uso de códigos visuais desadequados em suportes comunicacionais, nomeadamente de ordem política, poderão ter impactos tanto iguais ou superiores, por consequência, aos de um arquitecto. É possível criar um tumulto político apenas com um erro tipográfico, ou uma imagem desadequada às crenças de uma cultura, o que pode no limite, provocar uma guerra. Outras formas de design de comunicação utilizadas em propaganda política, canalizam mensagens que movem as pessoas no sentido da entropia ou da homeostasia (recordemos o impacto da imagem Nazi, ou da propaganda comunista soviética e chinesa).

O design é, por tudo o que já vimos, uma disciplina antropológica. É um trabalho humano que lida com valores humanos e por assim ser, tem a legitimidade de errar. Existem, contudo, consequências. [ Uma coisa que considero importante, é a obrigação que um designer tem de estar atento à escrita e aos erros ortográficos, não se podendo desculpar com o facto de só trabalhar com ‘imagens e aspecto das coisas’. Isto porque o cliente ficará com a imagem denegrida se nos suportes comunicacionais existirem erros que denotam alguma negligência, e que poderão alterar inclusivé o significado da mensagem que se pretende canalizar. Para além disso, muito provavelmente, a culpa da má mensagem é atribuída ao cliente e não a quem concebeu o suporte, se bem que há quem se refugie na ‘aprovação do cliente’. As palavras, e a escrita, fazem parte do design de comunicação em todas as suas vertentes, e nunca devem ser tratadas como apêndices supéfluos e algo que deve constar porque ‘tem de ser’. A tipografia é uma peça essencial, na medida em que é possível conceber um cartaz usando apenas recursos tipográficos, mas não se poderá fazê-lo usando apenas imagens. Existem elementos que existem apenas sob forma de letras, palavras, números ou conjugação de ambas, e isso é incontornável. Mesmo tentando o exercício de escrever com imagens, a ambiguidade não produz uma comunicação rápida e eficaz.] Mas o que pode ser erro para uns, é o que está certo para outros, e é esta a realidade com que o designer tem de lidar. Todos os designers são pessoas com as suas opiniões, perspectivas e formas de trabalhar, daí que um mesmo projecto seja alvo de várias interpretações e tenha resultados diferentes. Porém, o diferente não é necessariamente oposto ou errado. Existem regras sociais que devem ser tidas em conta, que assumem a forma de códigos visuais, as várias definições do belo, crenças culturais, e são essas as restrições que afunilam as possibilidades. Talvez possa afirmar que o design de comunicação trabalha segundo parâmetros de uma ergonomia mental, em que o objectivo será optimizar a percepção e entendimento, e nem sempre essa optimização implica velocidade, mas a apreensão e compreensão da informação de uma forma completa. O design de equipamento, industrial, e outras formas de design que sobrevivem fora do posicionamento cartesiano em duas dimensões, trabalhará com ambas as formas de ergonomia, mas não lhe são exclusivas.

O designer é rotulado de criativo, no entanto não é um mágico que ‘faz aparecer soluções para tudo’. O timing da intervenção é importante porque se tudo corre mal, não numa etapa final que o designer resolverá o problema. Ele deve fazer parte do processo desde o início, ou pelo menos lhe ser dado um briefing adequado numa fase em que é possível alterar decisões basilares ou retroceder o processo se necessário. Para além disto, a questão do briefing e do contexto de actuação são de extrema importância. O designer deve ter a noção dos elementos que dispõe para trabalhar, tendo em consideração o público-alvo a que se destina, sempre que possível reduzindo a influência da sua subjectividade. Para mais, a tão falada ‘inspiração’ não é mais que a absorção de todo o tipo de elementos imagéticos, culturais, técnicos, etc., que lhe permitem ter uma bagagem intelectual que possa despoletar a criação. A criação é um processo inteligente que não existe no vazio: o acto criativo resulta da articulação e conjugação de todos esses valores, competências e valências em complementaridade, que são validadas no contexto em que projecto foi solicitado, conferindo-lhe assim o laboratório que necessita para experimentar, e testar as potencialidades e constrangimentos. São estes os reagentes que o designer necessita para trabalhar e, nesta linha de pensamento, posso afirmar em conclusão que existe uma certa química relacionada com esta actividade ‘híbrida’: o design é o produto da reacção entre o engenho e a arte. Estas são intensidades que se debatem, que medem forças, mas que na realidade são complementares. No final, serão soluto e solvente em equilíbrio numa solução que deu resposta a um projecto, pela conjugação das suas valências. Se o engenho resolve a função utilitária, a arte apela aos sentidos e emoções, tornando a interacção com o objecto mais humana, dotada de empatia e fruição, contribuindo para uma melhor relação com o público-alvo, saciando as suas necessidades de uma forma homogénea e global. Introduzo, desta forma, outra característica do design: o processo.
Até há relativamente pouco tempo, os designers ‘derivavam’ de outras áreas como a arquitectura, engenharia mecânica, pintura, escultura, etc., que ousavam tocar aspectos que resvalam os objectivos dessas profissões. Curiosa e pertinentemente, os docentes dos cursos de design e alguns designers que hoje são de renome são oriundos dessas profissões, e ainda hoje estas metamorfoses acontecem. Afirmando que fez sentido que assim fosse, qual será a relação dessas actividades com a actual ‘disciplina autónoma’ do design? Pois bem, não é apenas do design que trabalha sob a metodologia do projecto, uma vez que a arquitectura, engenharia mecânica, civil, etc., utiliza o desenho técnico e o software CAD para projectar, e sabemos o rigor e precisão que estes processos envolvem, porque o erro mais pequeno poderá ter consequências graves de resultado final. Destas, apenas a arquitectura desenvolve os aspectos estéticos aquando a execução do projecto, porque o conceito urbanístico e as suas propriedades comunicantes aparentam ser precedentes aos aspectos técnicos propriamente ditos. A arquitectura, à semelhança do design, utiliza ferramentas artísticas para dotar uma edificação de significado humanístico, e pensa as soluções dos projectos entendendo os seus critérios como uma questão antropológica, e não mecânica ou industrial; e é este pensamento que terá sido herdado pelo design.
As artes, por sua vez, exploram as formas de expressão, comunicando através dos canais mais divergentes, na tentativa de utilizar suportes e códigos alternativos aos convencionais, tais como a linguagem verbal, com o objectivo de criar estímulos intelectuais e emocionais que permitam ao receptor da mensagem recebê-la de uma forma inédita, provocante e menos passiva. Este processo é também útil ao design, uma vez que a originalidade, complementaridade e globalidade delineam os seus objectivos.
Uma outra característica curiosa é o ‘tempo’ em design. O designer lida com uma realidade objectual conceptual que o transporta para um tempo futuro que ainda não existe, onde o objecto não foi ainda materializado. Daí que seja necessário recorrer a ferramentas de expressão e representação que simulem a sua materialização, tais como o desenho, pintura, escultura, hoje em dia os programas de simulação tridimensional, ou software que utiliza a metáfora do desktop, transformando o seu estirador e secretaria num ambiente digital com possibilidades que transcendem as técnicas artísticas convencionais. (Existem, contudo, consequências negativas desse afastamento da matéria, tais como o condicionamento da expressão, ou desconhecimento dos processos posteriores à entrega o projecto.)
O desenho, técnica de expressão essencial nesta actividade, é na realidade uma extensão cognitiva, na medida em que auxilia o designer a perceber as lacunas do seu pensamento, imaginação e exequibilidade, tal como os cálculos escritos auxiliam um matemático a encadear os seus raciocínios. Curiosamente, existem muitos cientistas que tiveram necessidade de depurar as suas capacidades de representação para ilustrar as suas descobertas e colocar as suas hipóteses. Leonardo Da Vinci é um bom exemplo disto, e creio ser talvez o primeiro designer, tal como o definimos. Isto remete-me para a colaboração da ficção científica com o design. Ideias que poderão surgir que necessitem de inovações tecnológicas e científicas para serem exequíveis encontrando no design a vertente de estímulo para outras áreas. Posto isto, quando nos é solicitado que ‘inventemos’ uma solução, talvez não seja assim tão errado.
Todos estes aspectos levam à constatação de que o design resulta da hibridação das metodologias e filosofias de várias actividades, que aparentemente poderão parecer distantes. Coerente com a ideia de que a criação não poderá existir no vazio, entendemos agora a necessidade que o designer tem de absorver todos os elementos que o rodeiam, porque o seu trabalho resulta da conjugação de valências das mais variadas origens. Uma analogia que acho deliciosa é o facto do designer ser como um chef de cozinha: alguém que escolhe ingredientes pela sua qualidade, frescura e atributos, para depois articular e conjugar cores, texturas, aromas, ácido e doce, tudo na dose certa, para que todos os elementos possam ser apreciados em conjunto, como complementares e, no final, ‘empratar’ a solução de forma a que todos os sentidos possam ser provocados, dando ao público-alvo uma experiência agradável de fruição e plenitude, num ambiente propício, saciando a sua fome e satisfazendo os seus desejos.