15.3.06

abstratu

A abstracção* é actualmente uma premissa essencial em muitos dos trabalhos do designer. Hoje em dia, com a evolução social e consequente aumento da literacia e acesso à informação, também o design necessita evoluir para um estado que se pode dizer como intelectualmente desafiante. A capacidade de separar a forma do seu suporte ou origem empíricas é um exercício em si só complexo, ainda que o seu resultado formal não o revele, e por isso mesmo seja desvalorizado muitas vezes o processo de concepção do produto final do design. Assemelha-se um pouco ao estudo lógico indutivo/dedutivo, isto é, partir de um conceito geral, para nos concentrarmos num detalhe que em si só faça despoletar um encadeamento de ideias, até chegar à mensagem veiculada, e ser capaz de inverter o percurso. A única diferença, é que um matemático ou um físico chegam a uma expressão ou equação que conjuga os elementos que interagem e, independentemente dos seus valores, a relação mantém-se e converge para uma "verdade absoluta". No design isso não acontece, pelo simples facto de que o designer adultera as perspectivas para sobre as quais se considera o objecto, e ele próprio filtra os atributos que considera serem relevantes em virtude do seu entender e dos seus valores, tornando a suposta "verdade absoluta", num resultado "possível e subjectivo". Quero com isto dizer que existem muitas formas de solucionar um determinado problema, e que o designer é um agente activo na interpretação e resolução do problema.
Um exemplo concreto e prático disto é um logótipo. Um logótipo é, no meu entender, a forma canónica de um conceito que, associado directa ou indirectamente a um produto ou uma entidade, faz levantar a questão "porquê?". Isto acontece devido ao facto de ter existido durante muito tempo a necessidade de ilustrar em vez de provocar, argumentado pelo imediatismo da percepção. No entanto, esquecemo-nos por vezes que os símbolos são isso mesmo: um elemento gráfico que representa algo que não pode ser ilustrado no seu todo ou em parte de uma forma satisfatória ou completa, e que só tem valor porque lhe foi atribuído tal. Para mais, na esmagadora maioria das vezes, ainda que um símbolo possa ter uma origem icónica, pode ser destilado de tal forma, que normalmente o produto final não tem nada de figurativo. É aqui que o processo de abstracção entra: como sintetizar todos os atributos do que se quer representar num único elemento? Eu diria que é impossível. Como diria Francisco Providência, a intensidade é inversamente proporcional à intenção, ou, por outras palavras, quanto mais se quer dizer, menos se diz. Daí que o caminho a tomar normalmente, seja concentrarmo-nos num ponto-chave que julgamos ser forte e abrangente, ou seja veículo para tal, e lhe demos ênfase. Trata-se de criar um rastilho para chegar à explosão da ideia.
Mais do que tentar justificar o trabalho que não se vê, pretendo apenas mostrar que o mais simples resultado teve um pensamento complexo anterior, e que não se deve subestimar a dimensão ou extensão de um pensamento, pessoa ou objecto, sem entender a sua essência e potencial.
Será que assim se conseguirá valorizar mais o "nosso pouco trabalho"? Talvez no final se conclua tratar-se de uma questão de perspectiva, de pensamento e de provocação.



*adj.,
que designa uma qualidade separada do objecto a que pertence;

s. m.,
o que se considera existente só no domínio das ideias e sem base material;


Arte,
diz-se da manifestação artística de conteúdo e forma alheios a qualquer representação figurativa, que é característica de diferentes épocas, culturas, ou correntes estéticas, e transcende as aparências exteriores da realidade.
(definições retiradas do Dicionário Universal)