16.11.09

design editorial (p1)


São inúmeras as formas de trabalhar com a tipografia, mas a mais íntima e aquela que mais põe em prática os fundamentos da tipografia, é o design editorial. Esta vertente do design é a que exige mais método, estrutura, coerência e mesmo estratégia comunicacional. Trata-se de uma área que é o centro de convergência de produtos oriundos das mais variadas disciplinas profissionais e artísticas, e que deve materilizar, de forma coerente, organizada e apelativa, uma publicação que veicula conteúdos escritos das mais variadas naturezas. Neste tipo de trabalho, a mensagem verbal escrita é o elemento mais importante, e todos os outros elementos devem ser utilizados como seu reforço e/ou complemento. Assim, se a mensagem verbal escrita é o elemento mais importante e a tipografia é a expressão gráfica dessa mesma linguagem, então a tipografia torna-se a disciplina estruturante de uma publicação, e o domínio das suas propriedades e potencialidades torna-se essencial. Não digo com isto, no entanto, que não existam publicações que possam oscilar a nível de conteúdos, tendendo para uma maioria de conteúdos escritos, no caso de uma revista literária, ou fotografia, numa revista da especialidade, mas estes serão extremos opostos. É natural que nesta linha de pensamento, em que se valoriza o texto, que um designer pense imediatamente em typefaces e typeface design, mas porque não é o typeface design a forma mais íntima de trabalhar com tipografia? É importante frisar que entendo a tipografia como a forma de trabalhar o espaço visual da linguagem verbal, incluindo não só as formas das letras, mas as contra-formas, e o espaço em branco ou não-verbal. O typeface design é uma vertente mais específica da tipografia, que desenha expressões de texto através das formas das letras e do seu fenótipo de conjunto, mas a tipografia desenha expressões de discurso. Trata-se de desenhar um corpo e com esse corpo desenhar movimentos, que terá o seu equivalente auditivo: se considerarmos a família tipográfica e os seus glifos [letras e símbolos que constituem um alfabeto, incluindo a pontuação e todas as versões gráficas de uma mesma letra] como um conjunto de notas musicais, a partitura (texto) que lhes dá sentido poderá ser interpretada com diferentes tempos, por vários instrumentos, cada músico tocando com a sua forma de tocar e interpretar o tema, atribuindo-lhes sonoridades e características completamente diferentes.
A tipografia, enquanto gestão do texto, do espaço e do suporte, deverá tirar partido dos atributos das famílias tipográficas, e utilizá-las com adequação e critérios de leitura. Será pertinente invocar a premissa de lecturabilidade versus legibilidade. Poderemos utilizar o supostamente melhor typeface em termos de legibilidade e estética para um trabalho, mas um tratamento tipográfico desadequado poderá destronar as propriedades positivas que pretendemos aproveitar de um bom typeface, prejudicando a sua lecturabilidade, ou seja, o seu comportamento enquanto texto em termos de atractividade inerente para ser lido de forma agradável, motivado por más opções de formatação, composição e layout. Será o equivalente a termos uma pessoa que julgamos ser bonita, atraente, mas que em diálogo se revela ter dificuldades em pronunciar ou articular as palavras, mesmo que seja interessante o que tem para dizer, repelindo quem o tenta ouvir e entender. Por outro lado, ter uma publicação bem concebida, mas possuindo conteúdos mal escritos e desarticulados, pode ser comparado uma pessoa que fala muito bem, tem uma voz agradável e uma apresentação muito atraente, mas um discurso completamente desinteressante, incoerente e sem assunto, que mais uma vez repele a tenta ouvir ou com ele dialogar. Concluimos então que assumindo uma publicação como uma transmissão do discurso de quem escreve, se for apenas bonita e não tiver um bom conteúdo informativo ou cultural, não cumpre o seu objectivo, uma vez que, apesar de apelativa, fará o leitor sentir-se enganado por não retirar nenhum conhecimento ou usufruto intelectual. É importante por isso dizer que se não existir um conteúdo bem estruturado e interessante, não é o design que irá salvar a publicação, tal como acontece com outras áreas, em que muitas vezes se utiliza o design como cosmética para as falhas que não se podem encontrar.

Mas afinal, o que é design editorial? Na minha perspectiva, trata-se de uma forma de design que trabalha para a informação e para a literacia, e como tal, tem como objectivo a melhor canalização possível de conteúdos jornalísticos, culturais e literários, melhorando a eficácia comunicacional.
No seu livro Design Editorial, Yolanda Zappaterra expressa a ideia de que o design editorial é, na prática, uma forma de “jornalismo visual”. Depreendi, na sua perspectiva, que Zappaterra não inclui o book design no design editorial, pelo menos de uma forma visível, falando apenas de revista, jornal ou outros periódicos. A diferença reside, portanto, na questão de periodicidade, renovação regular de conteúdos segundo uma matriz editorial, reinventando-se a cada número, embora circunscrita à sua identidade e contexto de actuação. A distinção poderá ser mais técnica, na medida em que, regra geral, o book design apenas utiliza texto para compôr as entranhas do miolo, sendo a sua componente mais visual e atractiva a capa, que contém todos os ingredientes de um cartaz publicitário da obra que envolve.
Se imaginarmos, sem os condicionalismos da obsolescência, factualidade ou estrutura hierárquica jornalística, que cada “obra” tem uma “capa” para atrair o leitor, então um jornal será um “livro de livros”, em que cada livro será um artigo, que compete “na estante” por atenção.

A história da escrita e dos seus suportes levam a crer que o livro terá sido o antecessor de qualquer suporte escrito impresso segundo os meios desenvolvidos por Gutenberg, e que as publicações terão sido ramificadas a partir daí, sob o condicionalismo do objectivo e da natureza da publicação. O livro, enquanto suporte comunicacional, que pode incluir imagem, seja ela ilustração ou fotografia para além de texto, diferencia-se pelo cariz de exclusividade da obra, ainda que esta possa ter sequela ou pertencer a uma série, mas que à partida não seja datada por imposição ou obsolescência dos conteúdos, regras pelas quais se regem as publicações jornalísticas, culturais ou desportivas.
Vale a pena recordar que os objectivos de Aldo Manuzio deram o real sentido ao termo publicação quando, com a colaboração de Francesco Griffo, criou um novo formato de livro : o livro de bolso. Este livro, mais pequeno e de produção mais barata e rápida, utilizando os caracteres do alfabeto itálico (mais condensados que o romano) concebido por Griffo, destinava-se à expansão do conhecimento, mais acessível ao público em geral, e não apenas os privilegiados do clero e nobreza. Assim sendo, encaro o design editorial como um veículo de transmissão de conhecimento e cujo conteúdo estimula o pensamento e a imaginação, elevando o patamar de abstracção. O design editorial é aquele que, quando bem sucedido, motiva a leitura e o interesse, diminui o atrito entre o leitor e o conteúdo da publicação, através de mecanismos visuais que estimulam o receptor da informação escrita (...).